Cristiane (nome fictício) me escreve: “Estou com sobrepeso (gorda mesmo), nem me peso mais depois dos 80kg, deprimida e não tenho ânimo para nada. Sei que estou comendo errado, mas acabo não tendo motivação para fazer nada a respeito. Detesto academias: elas só me fazem me sentir pior e nunca tenho resultados. Me dê uma luz”.
Cristiane, não dá para saber só pelo seu e-mail se existe alguma condição clínica subjacente nesse círculo vicioso de sobrepeso, depressão e má alimentação. Assim, a primeira coisa que eu recomendo é uma visita a um bom endocrinologista, desses com cabeça de clínico geral. Endocrinologia é uma área onde a gente acha médicos legais assim, pois eles lidam com “quebra-cabeças” onde tudo se relaciona com tudo.
Eu acho e espero que não exista nada grave, mas um bom endocrinologista é uma grande ajuda no desafio que você tem pela frente.
Esse desafio é desmontar o círculo da inatividade-depressão-má alimentação. Vamos começar com alguns fatos simples, que podem ser um motivador interessante. Não tem moralismo neles e muito menos julgamento. Essa é uma das coisas mais complicadas que quem lida com sobrepeso e má alimentação enfrenta: o julgamento moral. Um sub-texto sempre presente associa a sua condição à preguiça, falta de determinação e até falta de caráter.
A verdade é que isso é uma grande bobagem e a origem da sua síndrome, que afeta milhões e milhões de indivíduos, é uma forma de organizar a vida social que adoece as pessoas. Nossa espécie não é programada para a inatividade e isso precisa ser entendido logo de cara. Quando violentamos algo para o qual somos dotados com uma estrutura fisiológica e anatômica, não tem como dar certo. A espécie humana fixou seu genoma em populações nômades, agressivas e que usavam muita força física em caça, luta e organização da vida do bando em geral. Por isso temos a postura bípede que temos, as mãos de agarre e braços que mobilizam estas mãos e um cérebro que coordena tudo isso.
Ou seja: não é possível ter qualquer grau de harmonia pessoal sem se locomover e sem fazer força. Quando digo fazer força, não é entrar numa academia e seguir um programa de musculação (embora isso seja legal). Força se faz fazendo massa de pão, levando caixas de um lado para outro da casa, carregando pacotes ou empurrando uma janela enguiçada.
Começamos por aí, então: locomova-se. Ande por aí, não importa onde nem quando. Se o seu sobrepeso é importante, talvez subir e descer escadas em grande quantidade não seja a melhor ideia, mas locomover-se é parte da recuperação da sua autonomia motora, de afirmar para você mesma que você é um membro desta espécie com todos os direitos que essa condição lhe dá.
Agora fazer força: você não precisa ir a uma academia para fazer força. Existem diversos exercícios que você pode fazer sozinha, só com seu peso corporal ou com equipamentos muito simples, que podem fazer uma imensa diferença desde que você os faça. Sabe qual é o melhor exercício para você? Aquele que você fizer! Então, vou dar uma lista de exercícios que você pode fazer sozinha, com facilidade e que, ao mesmo tempo, vão permitir a você se reconectar com uma memória perdida.
Que memória é essa? Você nasceu sabendo fazer tudo isso. Todo bebê nasce forte e capaz de utilizar o “alfabeto básico” do movimento humano, que é agachar, empurrar e puxar. Uma vida de cadeiras e automóveis, de inatividade em todos os sentidos, nos separa dessa memória original.
Então essa é sua primeira tarefa: a busca da memória motora perdida.
Exercícios que podem ser feitos facilmente sem equipamento especial:
– agachar com o próprio peso corporal
– flexões (existem formas adaptadas a todos os níveis de dificuldade)
– afundos
– abdominais
Com alguns elásticos simples, a lista fica quase infinita.
Existe um saber técnico sobre como organizar melhor estes exercícios em rotinas diárias. No entanto, honestamente, o mais importante para você neste momento é fazer QUALQUER exercício (uma atividade codificada e programada) de uma forma auto-disciplinada. Ou seja: como, quando e da forma que você decidir – conforme qualquer aconselhamento que você queira. A chave é ativar a sua vontade e o seu poder.
Uma coisa interessante para isso é manter um diário – vamos falar mais sobre isso em seguida, no item comida.
A depressão é um estado poderoso. A depressão não inibe só a iniciativa em relação à sociabilidade ou projetos maiores. Ela inibe tudo. É muito possível que ela seja resultado da sua inatividade e padrões alimentares ruins. Muitas vezes é. Como os humanos não estão equipados para a inatividade, frequentemente a inatividade produz depressão. Se ela não estiver medicada, tanto melhor: a instalação de um novo padrão de atividade motora deve se refletir em algum tempo no seu humor. Quanto tempo, é impossível dizer: depende da natureza da depressão, da sua resposta ao exercício, da intensidade dele, entre outros fatores. Eu diria que entre algumas semanas e alguns meses é o tempo que uma mudança consistente de hábito de atividade leva para produzir mudanças de humor. Claro que tem gente que reage quase que instantaneamente.
Agora vem a alimentação.
O primeiro passo é ter consciência dela. Ao contrário da inatividade, que está na nossa cara, nosso padrão de alimentação é em grande parte inconsciente. Achamos que não estamos “comendo nada” quando na verdade estamos ingerindo mais de 3 mil calorias. Não contamos o açúcar dos refrigerantes e dos cafezinhos, os pãezinhos, as bolachas, a quantidade de azeite na salada ou de molho parmeggiana, o saco de amendoim ou castanha do Pará e assim, rapidamente acumulamos imensa quantidade de calorias mesmo que não estejamos comendo Big Macs, pizzas e bolos de chocolate.
É preciso fazer pelo menos uma semana de um diário alimentar. Anotar rigorosamente TUDO: cada amendoim, cada colher de açúcar, cada banana.
No final dessa semana, procurar uma tabela de conteúdo nutricional e calcular a quantidade de calorias, de proteína e de gordura ingerida.
Muitas vezes, só isso já é o suficiente para que consigamos nos reapropriar do controle sobre o que ingerimos.
O resumo da ópera é que o que você tem pela frente é um desafio de se reapropriar de si mesma. Talvez seja a batalha mais válida de se lutar: afinal, a quem mais você deveria pertencer se não a você?