Vários estudos nas últimas decadas registraram uma relação entre obesidade e psicopatologia. Num estudo de 1994, Telch e Agras (Telch CF, Agras WS., Obesity, binge eating and psychopathology: are they related?, Int J Eat Disord. 1994 Jan;15(1):53-61.) identificaram uma relação positiva entre as gravidades de “binge eating disorder” e dos sintomas psiquiatricos observados. Um outro estudo longitudinal de grande impacto, realizado ao longo de 20 anos e publicado o ano passado, confirmou a forte associação entre sobrepeso e psicopatologia (Psychol Med. 2004 Aug;34(6):1047-57.The associations between psychopathology and being overweight: a 20-year prospective study. Hasler G, Pine DS, Gamma A, Milos G, Ajdacic V, Eich D, Rossler W, Angst J.). Num estudo de 1999, Cassidy e colaboradores identificaram uma alta prevalência de diabetes melitus entre pacientes portadores de desordem bipolar (Cassidy F, Ahearn E, Carroll BJ., Elevated frequency of diabetes mellitus in hospitalized manic-depressive patients. Am J Psychiatry. 1999 Sep;156(9):1417-20.). Além disso, entre os bipolares, os diabéticos sofriam sintomas mais graves. Três hipóteses foram levantadas para explicar esse quadro: problemas relacionados com o uso de corticóides por diabéticos (que estimulariam mania), fatores genéticos associando duas formas de disfuncionalidade e efeito dos medicamentos psicotrópicos. Não foram relatados os dados relativos ao peso e composição corporal desses pacientes, nem tampouco a correlação entre essas variáveis (peso/composição corporal, consumo de psicotrópicos, diabetes e gravidade dos sintomas). Fica difícil ir muito longe sem essa análise.
Por trás dessa relação perversa entre sobrepeso e desordem mental existem tabus. O primeiro e mais complicado deles diz respeito ao uso de psicotrópicos. Uma vez, um paciente grave (aposentado por invalidez), dos Estados Unidos, me disse: “vamos parar com a hipocrisia: exceto por topamax (topiramato) e lamictal (lamotrigina), todo o resto dessas coisas vai estufar você”. Ele tem razão: com raríssimas exceções, os medicamentos psicotrópicos causam duas coisas: ganho de peso (e ninguém tem interesse em identificar as causas desse ganho) e diminuição da libido (conveniente a todos, já que doido não tem que trepar, mesmo). Pacientes adultos portadores de desordem mental, hoje em dia, com a prescrição selvagem e indiscriminada de psicotrópicos, geralmente não são mais “farmacologicamente virgens”: são ou já foram tratados. A relação entre o consumo presente ou passado dessas substâncias e o ganho de peso não é estudada – é tabu.
O outro tabu é a expressão, no corpo, de formas de violência. A relação entre desordem mental e abuso (infantil ou não) é alta. Reagir ao abuso através da deformação do próprio corpo com sobre-alimentação é outra relação conhecida, mas não estudada adequadamente.
Existem outros tabus, que se complicam pela relação com a sexualidade, mas esses eu deixo para depois.
Por que tabus? Porque não convem nem à comunidade médica nem à indústria farmacêutica trazê-los à luz. São assuntos proibidos. O “custo” em quilos de gordura inútil (e consequentemente em auto-imagem, sexualidade, etc.) para a “estabilização” (sempre questionável) emocional proporcionada pelos psicotrópicos é algo com o que os pacientes devem docilmente arcar, sem reclamar, sob risco de serem violentamente repreendidos pela sociedade. A começar por seus médicos.
Quanto tempo vamos aguentar, coniventes, essa violência silenciosa?
Marilia