Esse país deu uma chacoalhada geral nos últimos dias. Vai, admita, mesmo você que não vai com a cara dos grupelhos mais vocais. E o que alguns de nós estão sorridentemente observando, perplexos, é que não existe mais uma agenda. Ou você acredita que é por R$0,20? Eu acho até que uma parte relevante de quem foi às ruas não sabe que originalmente as manifestações eram contra o aumentos. Depois virou Passe Livre. Depois juntou com um poderoso movimento contra a realização da Copa do Mundo aqui. As feministas estão em plena mobilização contra o Estatuto do Nascituro (aqui e aqui).
Cada um saiu na rua com uma agenda. No fundo, no entanto, existe um anseio geral, um “posso falar?” manifestado, de maneira geral, de forma alegre e pacífica. Nem sempre, no entanto. Historicamente, se a necessidade de manifestar um interesse, o desejo de respeito a uma demanda, um direito, uma necessidade, foi sufocada e reprimida, quando emerge, explode com violência. Insisto que devemos isso que chamamos de Civilização a ações de extrema violência, com muita morte, carnificina, tortura e sofrimento. Em todos os campos, não apenas o da transformação institucional política.
Tem um monte de “posso falar?” amordaçados. Tem um que eu venho tentando há anos, sem sucesso. É o dos loucos. Posso falar? Posso falar como é ser louco e que as instituições estão errando feio conosco? E que pelo fato de sermos loucos nosso discurso é desqualificado? Afinal, você é louco, você não é coerente, não tenho que ouvi-lo.
Uns me escutam e acham até fofinho enquanto eu não enfio o dedo na ferida deles. Meio como meus amigos do movimento negro: “para preto, você até que é educadinha, tem curso superior, bonitinha”. Então “para louca, você até que fala umas coisinhas interessantes”. Mas é só desviar uns milímetros dos insights interessantes, inusitados e divertidos que eu volto a ser “aquela louca”, “só podia ser uma bipolar nojenta”, “bipolar tem que medicar ou matar para não encher o saco” e outros elogios que já ganhei. Muito parecido com “só podia ser preto, ladrão”, “só podia ser mulher, irracional desse jeito”, “só podia ser bicha, escandalosa e exagerada”.
Mas não acho mais loucos para manifestar nada comigo. A maioria está tão “medicada” (eufemismo para estar quimicamente amordaçado) que aceita não ter discurso. Muito chato isso.
Por enquanto eu colo nas outras bandeiras, em especial as contra a Copa, que vai causar um estrago geológico na nossa economia, e contra o Estatuto do Nascituro (aqui e aqui).