Anteontem, além dos livros xerocopiados, olhei para o alto das estantes e vi uma coisa que me incomoda há anos: uns troféus de vidro de um mau gosto completo, ganhos em campeonatos sem sanção, daquilo que é chamado “powerlifting de fundo de quintal”.
“Powerlifting de fundo de quintal” não é algo errado por princípio. Muito pelo contrário: deveria haver muito mais powerlifting de fundo de quintal do que existe hoje. Campeonatos de academia, regionais, sem preocupação com recordes e rankeamento, sem sanção por alguma federação afiliada a uma organização internacional. Isso é importante. É uma das formas de se ter um primeiro contato com o esporte, desde que o organizador tenha alguma noção e respeito pelo powerlifting.
Eu participei de um campeonato sem sanção internacional, feito no interior de Minas, quando eu havia quebrado a perna, e guardo o troféu com todo o carinho do mundo.
Mas estes de vidro são premiações de campeonatos, mais do que de fundo de quintal, “fakes”: fingem ser de verdade e enganam os participantes. Isso é imperdoável. Uma boa parte foi no Rio de Janeiro onde, numa das vezes, me foi perguntado o quanto eu queria pesar. Tudo é fake: o peso dos atletas, o peso das anilhas, os suportes não têm segurança, o agachamento não dá altura, o supino é quicado, o terra não trava o joelho e não existe livro de regra. Os campeonatos têm nomes pomposos. As pessoas afanam grana. O símbolo é um brasilzinho fazendo duplo bíceps, que lembra qualquer coisa menos powerlifting.
Se existe qualquer coisa na linha da energia sutil nas pessoas, lugares, coisas e atividades, aquilo é a nhaca destilada.
Tinha também os troféus da WABDL no Brasil, a piada pseudo-internacional. Tendo me escolado no fake-powerlifting, achei, lá pelos idos de 2007, que ali tinha alguma chance de ser para valer. Que nada: as marcas feitas aqui nunca foram enviadas à matriz internacional. Uma hora roubaram o computador onde estavam as súmulas, outra hora o computador queimou, enfim: levanta-se o peso, entra-se em desgaste neural por absolutamente nada. E ainda veio deste meio a pior agressão que eu sofri neste país.
Peguei tudo, embrulhei em jornal (para não cortar a mão do lixeiro), embrulhei em mais plástico, coloquei cuidadosamente num saco preto de lixo e pronto: dei a estes objetos que, ali na minha sala, estabeleciam um vínculo com algo que não tem nenhum significado esportivo e tem muito significado negativo pessoal, o destino que merecem. Que destino é esse? Deixar de existir. Simples.
Feito isso, não há exatamente esquecimento. Como eu disse antes, livrar-se de objetos e desapegar-se não desfaz a experiência vivida. Mas concretamente se subtrai a ela qualquer significado que não escolhamos. Eu escolhi que estas experiências signifiquem parte do meu processo de triar o que é bom e o que não presta no powerlifting, a minha nobre arte. Estas experiências apontaram o que não presta.
E assim, mais uma vez feliz com minha missão desentulhatória, fui dormir mais leve.