Sábado agora chegou finalmente a gaiola azul de volta – sentimos falta dela. Paramos o treino e fomos – Eric, Renatinho e eu – trazê-la para dentro da GCA e encontrar um bom lugar para ela. No alto, onde está o rack que irá para o Mendinho? Ou no “quartinho”? No “quartinho”, claro! “Gilson’s Dungeon”!
O “quartinho” é uma área rebaixada logo na entrada da GCA – se não tomar cuidado o desavisado cai porque o degrau é alto. É fechado, não tem janela e no fundo, é escuro mesmo. Bem Dungeon.
Eu devia ter fotografado o processo. A gaiola é grande, desajeitada e requer muitos giros e manobras para transportar. Enquanto nós três fazíamos a coisa – mais os dois do que eu -, Gilson ria e nos acusava de nunca ter brincado de Lego quando crianças.
Finalmente encaixamos a gaiola – parece que ela foi feita para aquele lugar.
Para quem não sabe, “Draper’s Dungeon” era o espaço onde nasceu o bodybuilding como o conhecemos hoje, através das mãos e invenções de Dave Draper, Frank Zane, Arnold Schwarzenegger, Franco Columbo, Mike Katz e outros. Ficava na Califórnia, em Santa Mônica, em Muscle Beach. Era um porão sobre o qual havia um bar ou taverna, e dizem os ex-frequentadores que de vez em quando vazava cerveja pelas paredes. Os bancos de supino não eram acolchoados, tudo era meio improvisado e mesmo assim, até hoje é considerada a “golden era” do esporte. Eles têm saudade desse tempo, onde tudo era difícil, a grana era curta e a base da determinação era a irmandade e solidariedade entre os atletas-amigos.
Não é por acaso que batizei o quartinho de Gilson’s Dungeon. Quando colocamos a gaiola azul ali, por um momento parecia que era já uma memória. Me deu um misto de orgulho e saudade, estranha saudade de algo que ainda não passou. Este é um momento meio heróico, onde caras como o Renatinho, Eric e eu vimos de Pirituba, Osasco e Lapa para aquele “semi-porão” na Favela de Paraisópolis, Paradise City, e nos divertimos montando as coisas da GCA.
É um tempo cheio de emoção, cheio de expectativa, com algumas tristezas, mas muita esperança. Porém, o tempo passa, e os eventos marcam o tempo. Comemoramos, aquele dia mesmo, o aniversário do Eric, num churrasco lá em casa.
O peixe da sala de alongamento, meu companheiro por 6 dos melhores meses da minha vida, não passava bem e acho que me despedi dele ontem.
Fico pensando que um dia, em uns 10 anos, quando o apoio “regulamentar” para o pé no treino de supino não for a tábua que fica “ali” no canto, quando a GCA for um galpão enorme cheio de jovens que nem sabem ler e escrever hoje, quando os equipamentos forem outros e o peixe uma memória avivada pela fotografia que tenho dele, teremos saudade desse tempo em que tudo é baseado na vontade, na solidariedade e no amor entre quem freqüenta “Gilson’s Dungeon”.
Marilia