(essa crônica foi originalmente feita para um outro site, que não existe mais, no final de maio de 2006)
Acho que aprendi sobre o mundo à beira do mar. Aprendi a andar numa praia. Esse é um momento importante na vida de uma pessoa. É quando o espaço é suficientemente seguro para que ela ouse experimentar sua nova condição bípede. Foi sobre as areias da praia de Juquehy, litoral de São Paulo, que isso aconteceu, há 42 anos.
Aprendi sobre o infinito ou as coisas que se deve desistir de medir. O mar é, para todos os efeitos práticos de uma criança, infinito.
Aprendi que o bacana da vida são as coisas imprevisíveis. Toda manhã ia de mãos dadas com minha mãe vistoriar a praia, verificar os presentes que o mar deixara na noite anterior. Em geral, muitas conchinhas. Às vezes algum peixe atolado. De vez em quanto algo muito diferente, como anêmonas coloridas, que, em noites de tempestade, se desprendiam do costão rochoso. Ou sinistros pedaços de barco, cheio de cracas.
Nas sextas-feiras, íamos bem cedinho, mas bem cedinho mesmo, esperar os barcos dos pescadores. Minha mãe comprava cação e pescada para preparar para nós. E eu explorava os restos de coisas presas nas redes, siris coloridos, alguns ainda vivos.
Aprendi que se pode dar o grito mais alto que seus pulmões agüentam sem dar nenhuma bandeira do desespero que ele expressa, pois o mar escuta e absorve.
A vida, a vida dura, origem das belezas e horrores que depois contamos ao mar, essa se passava em São Paulo. E depois em Athens, Rio de Janeiro, Blacksburg, Brasília, Gainesville… vários lugares onde montei minha barraca, por períodos variados.
Me tornei atleta, depois cientista, depois mãe, depois outras coisas e meus dias de praia foram ficando mais raros.
Mesmo assim, sempre, nos momentos melhores e piores, voltei para lá, para aquele mesmo lugar onde aprendi a andar, como se lá encontrasse alguém que sempre me espera.
Um dia perdi algo muito importante pertinho desse lugar. Meu sobrinho, Diogo. Foi em fevereiro de 2005, durante um Carnaval. Numa curva da Rio-Santos, um carro vindo em sentido oposto ultrapassou sua via e matou Diogo. Ele foi cremado numa cerimônia inesquecivelmente horrível alguns dias depois. Mas no fim-de-semana, levamos suas cinzas para o mar de Juquehy. Meu irmão entrou no mar e espalhou o pozinho cor de nada, que mais parecia concha esfarelada.
Voltei muitas vezes para lá e volto sempre que posso. Gosto, acima de tudo, de correr na praia vazia. Ou bem de manhã ou no fim da tarde, em época sem feriado. O chão é relativamente plano, a textura do solo de areia perfeita. O mar de um lado e as montanhas do outro. Treino de volume. Um atleta corre de maneira quase hipnótica na praia. É algo meditativo.
Correndo na praia, é impossível não entender essa monótona mensagem do mar: não importa o que, tudo fica para trás uma hora e, na frente, há apenas o infinito…
Marilia