Eu precisava compartilhar isso. É como uma intoxicação alimentar: ou sai por cima, ou por baixo (ou ambos), mas tem que sair.
Amanhã e no dia seguinte será realizado o “campeonato brasileiro de elite da IPL” – a primeira vez, em 6 anos, que um campeonato “limpo” não é realizado sob o meu comando. E eu preciso compartilhar uma verdade sobre estes seis anos: eu ODIEI CADA MINUTO em que fui uma dirigente, uma organizadora, ou, pior, a “defensora da causa do powerlifting ético”. Eu odiei tanto que agora não consigo me fazer dar atenção a questões como se os cartões de pesagem estão sendo corretamente preenchidos, se o placar está funcionando e todos os pequenos detalhes que precisam ser cuidados para que uma competição aconteça. As pessoas para quem estou passando a responsabilidade são meus amigos e trazidos para o esporte por mim. Sim, ainda tenho que lembrá-los de que a solicitação de sanção deve ser preenchida e paga, formulários enviados, etc. Eles estão fazendo um excelente trabalho e tenho certeza de que a competição será ótima.
Mas me sinto incrivelmente orgulhosa de mim mesma. Sabem por que? Porque não é uma coisa fabulosa ser um atleta excelente se isso é aí onde você coloca seu coração, onde você se diverte e que faz você feliz. O difícil mesmo é fazer algo que se detesta, que o faz infeliz, triste, deprimido, que muitas vezes contamina as coisas boas da vida, incluindo o powerlifting, que não o remunera, que na verdade consome seu dinheiro (mais de 6 mil dólares) e sua energia – e mesmo assim você faz porque você sabe que se não fizer, ninguém mais fará.
Mal pude esperar por este dia: o dia em que eu olhasse em volta e visse diversas caras de pessoas que me seguiram até aqui e a quem eu passei não apenas o know-how, mas o mapa para a fina linha vermelha que separa a prática honrosa no esporte da desonra e da vergonha.
Talvez aquele tenha sido meu jeito de “devolver ao esporte” até agora. Depois de muita reflexão, creio que não é mais. Não posso continuar fazendo o que não me dá satisfação ou prazer e não posso lidar com o resto do ambiente organizativo do powerlifting a partir de uma posição de poder. Não posso escutar mais um atleta me contando o quanto custa comprar um teste de doping negativo (propina); sobre como os pesos corporais foram manipulados e tal ou tal competição; sobre como se recebeu dinheiro público e usado de maneira privada em festinhas (na verdade, idas a bordeis) e bom whiskey; sobre os famosos “quartinhos do veneno” em certas pares do país onde, durante a competição, atletas se juntam para se aplicar mefentermina (Potenay); sobre como receberam luzes vermelhas porque tiveram um desentendimento com algum mafioso local. I me enchi de pessoas me mostrando vídeos e fotos de campeonatos de fundo de quintal com uma brilhante bandeira internacional no fundo e, na plataforma, algo que só pode ser descrito como uma desonra monstruosa ao esporte. Eu me enchi de nhen-nhen-nhen sobre coisinhas pequenas enquanto eu tive que lidar com as grandes, incluído ameaças à minha vida porque os delinquentes sentem que eu os expus.
Eu não aguento mais ver, ouvir e testemunhar tudo isso e saber que não há nada que eu possa fazer por uma razão: não há atletas suficientes que se importam com a HONRA no esporte. Esta é a triste verdade que eu aprendi nestes seis anos. Nós apontamos o dedo para dirigentes que estimulam o jogo sujo, nós tentamos expor suas relações com as máfias, mas a não ser que vocês estejam no meu lutar, não vão entender que estes caras só existem porque há um imenso número de atletas disposto a dar apoio a eles. “Putas de troféu”, são chamados. Eu não os chamo de nada: apenas pessoas que dão pouquíssima importância para a própria honra.
Para mim, a honra é o que mais importa na vida.
Eu ainda acredito em devolver ao esporte, acima de tudo. Afinal, o powerlifting me deu uma vida, quando não havia mais esperança de nenhuma. No meio de todo aquele sangue, quando tudo que eu tinha eram pessoas me estimulando a anestesiar meu cérebro até o esquecimento, a barra carregada me salvou.
No entanto, eu creio que devolver ao esporte, para mim, tomará outras formas agora. Eu acredito que uma delas será oferecer os levantamentos a pessoas danificadas, como um dia eu fui (e ainda sou). Tenho tentado isso. É um sonho que se tornará projeto e, um dia, quem sabe, fato. Eu acredito em oferecer serviço voluntário às forças armadas, na forma de auxílio no treinamento. Acredito que devolver ao powerlifting é honrá-lo e tratá-lo como um nobre recurso para a alma.
Eu acredito no meu trabalho como professor. Eu criei um programa baseado no powerlifting. Mas isso, bem, não é exatamente “devolver” ao esporte: é meu ganha-pão. Dar de volta é DAR. E eu dou. Eu trabalho como árbitra, eu ajudo e vou ajudar ainda mais. A diferença é que eu vou ajudar aqueles que realmente necessitam do powerlifting para sobreviver.
Talvez eu ajude um ou outro atleta de alta performance. Eu terei que olhá-lo nos olhos e ver mais do que uma corrida em direção a um troféu. Eu ajudei muitos e não recebi, em troca, nem mesmo um “muito obrigada”. Eu levei muitos ao pódio e, quando eu os chamei ao compromisso da honra, viraram as costas. Eles me desonraram e desonraram o esporte.
Assim, sim, talvez eu apenas observe e ria quando meus amigos fizerem postagens infindáveis sobre coisas que deveriam ser óbvias. Pois fazer a coisa certa deveria sempre ser óbvio. Aqueles que não enxergam isso, bem… eu não ligo mais.
Eu vou continuar apoiando as organizações que proporcionam um ambiente limpo. Um em que eu possa não apenas continuar a me comportar com honra em relação ao powerlifting, mas onde agir com honra não seja uma batalha extenuante. Que seja apenas… levantar peso. Não deveria ser um esforço tão grande, essa batalha dolorosa para cavar um espaço para poder apenas agir com honra.
Eu não aguento mais. Eu não aguento mais choramingação, eu me enchi de trapaça, eu me empapucei de “ego-trips”, não suporto mais as “putas de troféu”, estou por aqui das máfias e cartéis, não suporto mais desrespeito, Acima de tudo, no entanto, eu não aguento mais a delinquência e a desonra.