“Por que? Para que?” É a pergunta que uma galera tem feito sobre a decisão de meu irmão Laerte Coutinho de expor sua nudez na matéria da Rolling Stones.
Achei importante refletir um pouco sobre isso. Em primeiro lugar, o grau de “finalidade” de cada ato nosso cabe num gradiente, e não num sistema binário (útil X desnecessário e, depois, se útil, útil para que). Em segundo lugar utilidade descreve de maneira mais pobre a ação humana do que “sentido”.
Tentei refletir sobre isso com alguém próximo usando o trabalho de fotógrafos geniais que registraram corpos idosos e corpos de mulheres mutiladas, em busca ao mesmo tempo da manifestação de formas alternativas (ao mainstream) de beleza, como de confrontação de um modelo estético e comportamental opressor. Isso fica no campo da utilidade.
Já o sentido é mais sutil. Meu irmão viveu uma vida amordaçado e com uma identidade clandestinamente fragmentada. Suas ações hoje têm um profundo sentido pessoal de construção da oposta e benigna integração. Partilhá-la com o mundo é rigorosamente óbvio: a construção identitária é social, ponto final.
O que me espanta em alguns é não entender o significado do aplauso universal às iniciativas de Laerte neste sentido usando o desenho, versus o choque e questionamento quanto às iniciativas que usam manifestações corporais. E de novo e de novo a maldita cisão corpo-mente. Ele é genial, ícone e ídolo quando desenha e fala, ou seja: se manifesta de forma desencarnada (para você, leitor, pois o desenho ou fala foram emitidos por um interlocutor completamente carnal). No entanto, torna-se agente de ações “desnecessárias” e “exageradas” quando manifesta sua corporalidade.
Me espanta, mas não me surpreende.