Militância e marketing – alguns comentários que podem ajudar quem eu não quero muito ajudar

Ativismo político consiste num conjunto de atividades para avançar um determinado projeto político, ou “causa”. Estas atividades incluem a criação de consensos internos, a educação da suposta ou real “base” (os indivíduos, numa sociedade, afetados pela questão que está na origem da caus) e comunicação com outros agentes.

Quem são os “outros agentes”? Todo mundo. Não por acaso, refere-se à militância, em geral, como “movimentos de minorias”. Se são minorias, elas se relacionam, de várias formas, com a maioria. A maioria não é homogênea: é todo mundo que não é aquela minoria.

Nenhuma causa minoritária tem muita chance de sucesso se não ganhar a simpatia do “outro” que não pertence à sua base de apoio. Muitos movimentos apostaram na hipótese contrária: a de que suas bases seriam numerosas o suficiente para que, num conflito aberto, impusessem medidas de seu programa para a sociedade inteira, enfiando-as “goela abaixo” do “outro” (todo mundo que não pertence àquela minoria).

Isso funciona cada vez menos – é só olhar em volta.

A estratégia de ameaçar a “maioria” e/ou chantageá-la gera várias coisas, entre as quais ódio e até mesmo organização baseada na defesa contra a minoria agressiva.

A ficha sobre o papel persuasivo do discurso ativista começou a cair quando Malcolm X e Martin Luther King foram comparados. Martin Luther King tem ampla aceitação em diferentes setores da sociedade. Malcolm X jogou com a proposta do ódio e do conflito – e misteriosamente morreu quando decidiu abrir mão desta abordagem.

Pensemos em ideias e projetos como produtos a vender (pois a persuasão está nos dois tipos de marketing). Se a propaganda de venda de um tênis é baseada na ameaça, muito provavelmente ela não vai vender muito: “se você não usar o tênis da marca X, você é um imbecil”; “nós vamos tomar seu tênis das marcas que não são X e jogar no Rio Pinheiros”.

Não é muito diferente no ativismo político. Se o discurso é “se você não me apoiar, vou persegui-lo e tornar sua vida um inferno”, ou, pior, “se você não se curvar aos meus interesses, vamos destruir sua vida” é uma estratégia burra. O mínimo que se consegue é medo. O máximo, ódio e contra-organização.

Então, qual a saída?

Aprender a praticar o discurso persuasivo. Eu pertenço a algumas minorias. Você, leitor, também, por motivos lógicos: vivemos numa sociedade complexa e fragmentada. Logo, TODO MUNDO pertence a uma minoria.

Começo focando em uma minoria altamente oprimida e despida de direitos civis: a dos loucos. Eu pertenço oficialmente à classe de “pessoas loucas” (mad people). Nós, pessoas loucas, temos os interesses da indústria farmacêutica sabotando a pesquisa em métodos não medicamentosos de tratamento de nossas condições (que nem sempre são enfermidades), temos o preconceito da sociedade desqualificando nosso discurso e temos nossa própria vergonha contra nós.

Quais seriam as estratégias mais eficientes para começar a gerar mudanças positivas para esta minoria?

 

  • Nos reivindicar como protagonistas da mais importante transformação social contemporânea e desqualificar o discurso dos normais
  • Apontar o dedo no nariz do “outro” e exigir que reconheça seus privilégios de “normal”
  • Mostrar dados sobre a atuação da indústria farmacêutica no sentido de dobrar a comunidade psiquiátrica a seus interesses, como pagamento de passagem e estadia em congressos promovidos por ela, “educação” técnica “gratuita” (cursos que ensinam como receitar os medicamentos ou mesmo consultores privados) bem como os processos perdidos por ela por danos aos pacientes, como no caso da “death drug” Zyprexa onde a Eli Lilly perdeu uma class action de bilhões de dólares.
  • Mostrar que nós, portadores de condições mentais diferentes (pessoas loucas), damos contribuições importantes à sociedade
  • Mostrar que a loucura não está estatisticamente associada nem à violência, nem a comportamentos socialmente perturbadores e nem mesmo à mentira ou discurso argumentativo sem fundamento

 

Eu prefiro as alternativas c, d e e. Optar por a e b não vai gerar nada exceto uma resposta de raiva do outro, reproduzindo precisamente o que eu desejo destruir: o discurso preconceituoso. Certamente a resposta será algo como “mais uma desses loucos imbecis”.

O que as estratégias c a e têm em comum é a busca da EMPATIA. O objetivo é que o outro consiga se colocar no meu lugar de minoria ou, alternativamente, veja como essa minoria é vantajosa ou amistosa para com ele.

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