Como eu estou? Não sei bem. Acordei agora. Foram dois dias da pior violência que eu passei nos últimos tempos e minha vontade é assistir TV e dormir, mas tenho aula para preparar.
Não vou descrever novamente os fatos, que estão bem detalhados no documento divulgado pela ANF .
Em resumo, fui chamada para sancionar um evento no Rio Grande do Sul como presidente da Aliança Nacional da Força e representante brasileira da Global Powerlifting Alliance (coisa que não sou mais, continuem lendo). Durante o evento, adverti um técnico de apelido Miudinho sobre transgressões repetidas às regras de conduta. Insultada gravemente, adverti o dito cujo, que entrou num surto de violência verbal. Diante disso, disse a ele claramente que estava expulso. E diante disso, ele passou a me ameaçar fisicamente. Todos me deram razão, ninguém me defendeu e garantiram o direito do delinqüente a mandar e desmandar no campeonato. Leiam o documento.
Desde então, minha vida veio evoluindo através de “estágios do horror”.
Fase 1: o alarme
O momento foi indescritível. Um monstro vindo na minha direção, me ameaçando, eu gritando com o braço apontado para ele que, como presidente da entidade, mantinha o banimento e ele caminhando ameaçadoramente na minha direção. Eu olhava para os lados, para os demais organizadores e perguntava: “ninguém vai fazer nada? Eu estou sendo ameaçada, esse cara vai bater em mim!”. Eles pediam “calma”. Meu coração disparado, eu só gritava a mesma coisa, enquanto ouvia os piores impropérios e ameaças. Todas as demais pessoas se afastaram ou eu não vi ninguém.
Fase 2: a apatia
Durante a hora em que fui mantida na salinha, eu ouvi a seguinte seqüência circular de argumentos: a. que eu estava certa; b. que o local era público, portanto não teria como tirá-lo dali exceto por ação policial; c. diante do meu argumento de que isso não era verdade, já que até corridas de rua tinham gradis e a organização do evento tem direitos sobre o espaço, o argumento virava outra coisa: que se ele fosse expulso, sua equipe tumultuaria e destruiria tudo e o evento seria destruído; d. que se eu me retirasse, os atletas ficariam sem sanção de marcas.
Não me lembro quanto tempo isso durou. Pessoas iam e vinham. Repetiam a mesma coisa. Eu estava sem comer e sem beber água. Não consigo engolir neste estado e não tinha comida. Num certo momento, senti uma fadiga sem limite. Finalmente disse: “façam o que quiserem. Tudo bem, ele ganhou. Não me importo mais. Assino o que vocês quiserem. Não farei exigência nenhuma”.
Fase 3: a desconexão
Não havia sinal ali. Meu 3G não pegava nem meu celular. Eu estava desligada do mundo. Cada vez que atletas se aproximavam de mim, o Vilmar tratava de se aproximar e afastá-los ou pedir que o assunto não fosse discutido. No final, sentei e tentei passar a súmula a limpo. Impossível: tudo feito no papel. Foram 187 participantes, dos quais 97 competiram raw (52%), todos os quais sob responsabilidade da ANF-GPA raw. Destes, 87 realizaram supino e terra e seriam sancionados pela GPA.
Desisti, fiquei sentada e me sentindo cada vez mais desconectada. Se o mundo era aquilo, então o mundo não fazia sentido algum. Começaram a aparecer algumas ideações suicidas. Horas e horas sem comer, levantei e me senti muito tonta. Meu braço doía em lugares novos. A lesão, inicialmente uma distensão nível 2 no flexor do antebraço, tinha piorado.
De vez em quando, alguém vinha, simpático, e me oferecia algo. “Quer um sanduíche?”, “Quer uma coca-cola?”. Coitados, fizeram o que foi possível nas circunstâncias. Ninguém podia me oferecer o que eu precisava que era dizer: “você passou, sim, por uma agressão imensa e tem direito de estar inteiramente abalada”.
Fui até o lado de fora, chorei, parei de chorar e pedi para me levarem ao hotel para tomar remédio. Uma hora depois me pegaram para a premiação, que terminou a 1:30h da manhã.
No hotel, enviei alguns e-mails, um deles ao presidente da GPA, contando o que aconteceu. Ele tinha uma relação que parecia de íntima amizade comigo. Falávamos sobre o cão moribundo dele, sobre as memórias dele, enfim, algo muito semelhante ao que chamaríamos de “amigos”. Confidenciei que, depois de tudo que passei, minha vontade era largar tudo. Coisa que se fala com amigos.
Fase 4: desespero, tristeza e confusão
Quando finalmente dormi, com 30mg de valium, acordei num mundo cheio de ameaças. Peguei os vôos pinga-pinga. Entre um valium e outro eu chorava. Era a fase da tristeza e dor, do fim do sonho.
De Caxias do Sul até Curitiba, Valeska e Luciano estavam comigo. Chorei várias vezes. Pensava que, se o Luiz Henrique estivesse vivo, tudo seria diferente. Eu só queria chegar em casa.
Eu lido mal com multidões em feiras, som alto, mas sempre administrei bem aeroportos. Nesse dia, vi sinais de ansiedade excessiva no aeroporto. Raiva daquele monte de gente, um desejo estranho de bater em todos e sair correndo. Mais valium. Acalmei.
A fila do taxi era interminável mas finalmente peguei um, que me deixou na casa dos meus pais. Era dia dos pais. Dei um abraço no meu e contei por cima o acontecido para minha mãe. Ela disse sabiamente que era hora de largar isso tudo, referindo-se à administração do esporte.
Ver minha mãe e meu pai foram o primeiro passo para re-estabelecer um sentido de realidade, de conexão.
Fase 5: relaxamento e depressão
Chegando em São Paulo, minha conexão de internet rápida me permitiu re-estabelecer contato com o mundo. Recebi apoio incondicional de quase todos. Indignados, exigiam vir à público com o caso. O mundo foi se tornando um pouco mais real. Com todo o apoio que eu recebi, veio a fase do relaxamento. De se deixar ficar triste, cansada e desabar.
Chorei muito de novo.
A decisão de vir à público com o documento de banimento foi iniciativa dos colegas daqui. Outros amigos fazem questão de que a denúncia seja internacional.
Só pedi que eles tomem todas as iniciativas, pois eu não tenho mais energia para nada disso.
Aparecem ameaças, diretas ou veladas, aqui e ali. Mexemos com coisas sérias.
Ontem à noite fiquei sabendo que o Brasil foi desligado da Global Powerlifting Alliance (GPA). O argumento do presidente baseou-se em um dos e-mails de conteúdo pessoal. Achei isso bem manipulativo.
Eu também havia sido advertida pelos colegas da Argentina para não vir a público. Eu transgredi a ordem deles. A resposta veio rápida e agressiva.
Já não é mais problema meu. Outro colega administra as relações internacionais.
Segunda feira fui ao médico. Minha lesão, que parecia ser no ventre muscular, agora é tendinosa. O tendão rompeu. A bola dura que mostra isso apareceu no sábado, no dia do conflito. O que aconteceu? Não sei. Não sei se já estava ali ou se eu fiz algum movimento que causou a nova lesão.
Eu quero me cuidar.
As fichas ainda não caíram todas. Só sinto que passei por um pesadelo do qual não acordei totalmente ainda.