Passei a virada do ano sozinha, em casa, tossindo. Não pude aceitar nenhum convite, me sinto podre e impotente diante da situação. Anteontem fui ao pronto-socorro do São Luis, onde fui examinada e não há o mais leve sinal de infecção, minha pressão, como sempre, anormalmente baixa, sem febre, sem nada: apenas um mega processo alérgico a um resfriado que ficou encruado. Talvez pelo tipo e intensidade da atividade física que eu pratico, talvez por causa da alimentação hiperproteica e muito correta e talvez pela enorme quantidade de suplementos e ergogênicos que eu consumo, nunca desenvolvo infecções. Esses resfriados epidêmicos que pegam em todo mundo, se me atingem, no máximo causam um pequeno mal-estar de um dia. Mas a alergia… Não está no gibi.
O problema é que me dou muito mal com qualquer anti-histamínico: os tradicionais, como fenergan, me deixam chapadíssima e com ressaca no dia senguinte. Pior: depois de algumas horas, causam este sintoma que estou sentindo agora e que me dá vontade de me atirar pela janela de um hipotético edifício (minha casa é térrea, não tem graça). É uma espécie de “coceira interna”. Sinto que há algo coçando por dentro dos músculos. É de desesperar.
O peito dói do esforço repetido, a garganta dói pelo atrito – é uma merda.
Eu acho tosse pior que caganeira para provocar a sensação miserável em que a vítima fica. Caganeira dá aquela impressão de que sua vida vai se esvaindo em merda. Mas tosse… Ah, tosse dá desespero. Principalmente tosse seca, pois não há um “alívio” por expelir algo. É uma coceira interna que obriga você a ficar tossindo sem parar.
Então fui assistir a um DVD na companhia da Rita, minha cadelinha que não suporta barulhos nem chuva. Ontem naturalmente tinha os piores barulhos do universo para ela (fogos e rojões) além da odiosa chuva, é claro. Assisti um filme antigo, que já havia assistido umas duas vezes: “the Hunger”, com Catherine Deneuve, David Bowie e Susan Sarandon. O plot em si é relativamente simples: existe uma vampira real, não humana e incrivelmente antiga (Catherine Deneuve no papel de Miriam Blaylock), que seduz e toma como amantes uma seqüência de humanos aos quais proporciona uma estranha longevidade. Eles vivem sempre jovens durante poucos séculos, para de repente, em poucos dias, envelhecer aceleradamente até um estado caquético em que Miriam os “guarda” em caixões no sótão. Miriam sofre incrivelmente a cada uma destas perdas e também pelo sofrimento causado a estes amantes, condenados a uma condição de corpos apodrecidos mas incapazes de efetivamente morrer. O casal se dá conta de pesquisas sobre longevidade sendo desenvolvidas por uma médica e pesquisadora, Sarah Roberts (Susan Sarandon). Não apenas Sarah não pode “resolver” o problema como se contamina numa relação sexual com Miriam, que lhe transfere uma pequena quantidade de seu próprio sangue. O sangue vampiro se reproduz no organismo do contaminado até se tornar a única forma celular. Então, a vítima não pode mais se alimentar normalmente. Só sangue humano pode satisfazer a fome insuportável que sentem.
Sarah acaba matando e devorando seu próprio namorado, tenta se matar e, no processo, “acorda” a legião de ex-amantes mortos-vivos de Miriam, que a jogam pelas escadas e observa-se que ela mesma se deteriora em segundos. Assume-se que Miriam finalmente morreu. Porém, na última cena, Sarah está na varanda de um apartamento, na companhia de um jovem casal, insinua-se que há algo de sexual entre os três e ouve-se a voz de Miriam chamando por Sarah.
Eu gosto muito de filmes de vampiros. Nunca tinha pensado por que. Hoje me dei conta de um possível motivo: vampiros vivem vidas muito longas e pouquíssimo intensas por conta das várias limitações de sua natureza. Eu sou portadora de uma condição precisamente oposta, em que vivemos intensamente, porém por pouco tempo. Vampiros não dão: só tomam ou recebem. Através de manobras mais ou menos manipulativas, predam populações humanas. Vivem sós, não interagem. Mais uma polaridade: eu nunca recebo, só dou.
Vampiros de filme me fascinam, pois são sempre muito fortes e auto-suficientes. Embora letais, são criaturas interessantíssimas. Vampiros humanos, por sua vez, são inteiramente desinteressantes: são pessoas fracas e dependentes, que precisam “sugar” a energia alheia mas não se fortalecem com isso.
Vampiros de filme são trágicos. Vampiros humanos são patéticos.
Vampiros de filme matam. Vampiros humanos choramingam e “descarregam” as pessoas.
Costumo ser vítima de vampiros humanos. Cada vez menos, mas ainda acontece. Não tenho muitas ferramentas de defesa contra eles.
Gosto da história deste filme, como gosto de outros filmes sobre vampiros. Gosto de como problematizam essa contradição entre força e vulnerabilidade.
Este filme especificamente é muito bom, com uma bela fotografia, claramente alimentada pela estética gótica dos anos 80 (inclusive a música). Pena que seja patrocinado secretamente pela Phillip Morris ou alguma outra multi do tabaco, porque é aflitivo que o cigarro seja promovido a personagem. Todos fumam e a câmera dá sempre especial atenção ao cigarro em si, às bocas sugando e expelindo a fumaça e os personagens acedem cigarros nas situações mais nojentas e impróprias. Com essa tosse e dor no peito que sinto hoje, sensação de que passaram lixa por dentro de mim, essa apologia e excessiva exploração visual do ato de fumar me broxou legal para curtir o filme. E o pior é que não tem nenhuma contribuição quanto ao contexto do filme – é só mesmo uma estética particular que inclui muito cigarro, má alimentação, pessoas muito magras, muito brancas e com muita maquiagem. Se fossem só os vampiros, faria sentido. Não é o caso.
Fora isso, é um dos raros filmes que exploram o sofrimento associado à conquista de poderes supremos, o custo real do poder. Imortalidade e eterna juventude, sim, mas a que preço?
Marília